Comumente, entre nós, modernos, a palavra
"tragédia" tornou-se uma aplicação costumeira para designar um
acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou ainda
para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redundou num horrível
assassinato. Para os gregos, entretanto, “tragikós” era outra
coisa. A tragédia definia acima de tudo uma forma artística, ou algo que
somente ocorria entre os grandes. Na visão de Aristóteles, um dos primeiros a
estudar o impacto dos espetáculos teatrais, a tragédia seria “uma representação
imitadora de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada,
por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma
das partes, e que, por meio da compaixão e do horror provoca o desencadeamento
liberador de tais afetos.”.
A tragédia como catarse
Aristóteles não se preocupou em estabelecer
qualquer teoria sobre a tragédia nem se concentrou nos aspectos técnicos do
espetáculo, mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico
para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a Katarsis, a
catarse, isto é a purgação das emoções dos espectadores. Assistindo as
terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que a
vida dele se tornara, sentindo uma profunda compaixão pelo infausto que o destino
reservara ao herói, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo
coletivo. Atribui-se à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à
purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele
entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando
as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao
assistirem o desenlace.
O Herói Trágico
O centro do espetáculo teatral gira em torno
do destino infeliz do herói, tema comum a maior parte das narrativas e das
sagas antigas. Nelas ele é apresentado como uma figura radiante, um vencedor
que está no esplendor da vida, usufruindo dos feitos das suas armas, envolto
numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração
brusca do destino. Um acontecimento sensacional, terrível, sufoca as suas
alegrias, conduzindo-o à desgraça, arremessando-o ao mundo das sombras. Assim é
que Édipo é rei de Tebas, onde casou com a rainha viúva e com a qual teve
quatro belos filhos (dois varões e duas moças), quando tudo deu para desabar ao
seu redor. Em outra peça, Agamemnon, o rei de Micenas, ao retornar para casa
vitorioso depois de ter pilhado Tróia, sucumbe pelo golpe assassino de
Cliptemnestra, sua mulher, e do amante dela. Prometeu, o titã que trouxe do
Olimpo o fogo dos céus para os homens, banido, termina preso e encadeado no
alto das montanhas do Cáucaso.
Homero e a tragédia
Os poemas de Homero, tanto a Ilíada como a
Odisséia, oferecem vários desses momentos de infelicidade pelos quais os
grandes passam: o desespero de Aquiles quando perde o seu amigo Pátroclo num
combate; o encontro de Ulisses com Aquiles na morada dos mortos; a desgraça de
Heitor, o bravo guerreiro morto num duelo pela defesa da sua cidade; a
humilhação de Príamo, o velho rei de Tróia, que é obrigado a suplicar a Aquiles
pela devolução do corpo do filho. O objetivo do poeta, porém não é exatamente o
mesmo do autor dramático. Esses episódios da "Ilíada" e "Odisséia"
fazem parte da narrativa geral cuja intenção é enaltecer a bravura e os feitos
dos combatentes e não provocar a compaixão ou qualquer outro sentimento piedoso
nos leitores ou ouvintes. Segundo Albin Lesky "a epopeia homérica é para a
objetivação do trágico na obra de arte somente um prelúdio.”.
Os postulados do trágico
Para poder-se dizer que um espetáculo é uma
tragédia é preciso que ele apresente certas características facilmente
identificadas pelo público. Em primeiríssimo lugar, deve revelar a dignidade da
queda. O herói é sempre uma figura reconhecidamente grande, importante, que
consegue manter a integridade moral quando as coisas desandam ao seu redor. É,
pois um estoico. Depois, há de verificar-se a importância da altura da queda,
transmitindo a ideia da caída de um mundo de segurança e felicidade, que se vê
ilusório, para as mais profundas das misérias. Queda, diga-se, que o herói deve
aceitar em sua consciência. Não se entende como tragédia o caso da vítima ser
alguém sem vontade, conduzido como se fosse um surdo-mudo para a desgraça, uma
marionete inconsciente dos deuses. E, por último, a tragédia resulta de uma
falta absoluta de solução. Não há outra saída do que aquela determinada pelos
acontecimentos que vão se descortinando frente ao herói.
Estoicismo e tragédia
A tragédia também se tornou uma inspiração
para a filosofia estoica que, desde os seus princípios, estava determinada a
demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. O sábio estoico
Sêneca (4 a.C.- 65) serviu-se de peças com urdidura trágica como uma
admoestação e advertência para mostrar o desespero que acomete aqueles que se
deixam guiar por elas ao não saberem impor limites ao ardores do coração,
submetendo-o aos poderes da lógica (esta, comumente, foi a interpretação da
tragédia que chegou a nós no Ocidente com força bem maior do que aqueles que os
grandes autores dramáticos da Ática lhe davam).
Cristianismo e tragédia
Para alguns autores cristãos a tragédia é um
gênero que pertence exclusivamente ao mundo pagão. O cristianismo teria banido
a tragédia por que ela simplesmente não se enquadra na ideia da alma pecadora
que atinge sua redenção por uma graça de Deus, pois não há salvação nem perdão
para o herói trágico. Ela, a tragédia, só seria possível na cultura pré-cristã
que desconhecia os princípios do arrependimento e da absolvição, ou o gesto
inesperado e miraculoso da graça divina (o artificio do Theos ex machiné, largamente
utilizado por Eurípides, foi interpretado por muitos como um recurso teatral,
não pertinente à essência da concepção grega da tragédia). Pode-se até
conjeturar ter sido a própria vida de Cristo uma tragédia definitiva, uma
catástrofe moral de tamanha dimensão que superou todos os possíveis dramas, não
deixando espaço emocional para que nada mais pudesse emparelhar-se ao
sofrimento do Salvador. A representação popular da paixão e do martírio de
Jesus, que até hoje é encenada nos autos religiosos, inibiu para sempre a
dramaturgia cristã.
Originalidade
do teatro
Sabe-se que os poetas da Grécia Antiga
exploraram outros gêneros, tais como o drama satírico e a comédia, mas nenhum
deles teve a transcendência alcançada pela tragédia, fazendo com que o
espetáculo trágico fosse o que mais profundamente se enraizou na tradição cultural
moderna.
Muitas das contribuições culturais que nos chegaram pelas mãos dos gregos, tais como a Filosofia, a Geometria, a Pintura Cerâmica, a Arquitetura, a Música, a História, a Medicina, a Literatura Épica e Lírica, a Mitologia, etc., com certeza eram de origem Oriental. O mesmo, porém, não se deu com o Teatro. Se Pitágoras e Platão abeberam-se da filosofia e da geometria egípcia; se Heródoto inspirou-se nas crônicas anatólicas, persas e egípcias; se mesmo Homero inspirou-se em narrativas épicas de outros povos, tal não pode dizer-se dos autores trágicos. A Tragédia é a mais pura criação da cultura grega antiga e, quando transplantada para outras culturas, não encontrou a mesma receptividade.
Muitas das contribuições culturais que nos chegaram pelas mãos dos gregos, tais como a Filosofia, a Geometria, a Pintura Cerâmica, a Arquitetura, a Música, a História, a Medicina, a Literatura Épica e Lírica, a Mitologia, etc., com certeza eram de origem Oriental. O mesmo, porém, não se deu com o Teatro. Se Pitágoras e Platão abeberam-se da filosofia e da geometria egípcia; se Heródoto inspirou-se nas crônicas anatólicas, persas e egípcias; se mesmo Homero inspirou-se em narrativas épicas de outros povos, tal não pode dizer-se dos autores trágicos. A Tragédia é a mais pura criação da cultura grega antiga e, quando transplantada para outras culturas, não encontrou a mesma receptividade.
Os concursos trágicos
As encenações trágicas, tais como as
conhecemos, tiveram início com a institucionalização da chamada Dyonissia, os
"Concursos Trágicos", no governo do tirano ateniense Pisístrato
(cerca 536-534 a.C.). Famoso por ter sido "hábil e bonacheirão", o
autocrata rapidamente compreendeu a potencialidade política do Teatro, dele
lançando mão para popularizar o seu regime. Sólon (668-559 a.C.), o mais famoso
legislador ateniense, ao dar-se conta disso, certa vez abandonou em pleno
andamento, uma representação que assistia em protesto contra a manipulação
política das artes. O velho sábio, desiludido, retirou-se do teatro sentindo-se
vencido.
Naquela época a encenação teatral ainda dava
seus primeiros passos e seu apogeu só se deu no século seguinte, no século V
a.C., ao surgir a trindade dos soberbos autores trágicos: Ésquilo, Sófocles e
Eurípedes. O ciclo da tragédia só encerrou-se quando, à época de Aristóteles,
no século IV a.C., o jovem teatrólogo Agaton compôs peças cujos elementos não
se inspiram mais na tradição, e sim resultam da sua própria criação. O período
abarca mais ou menos uns cento e cinquenta anos, mas o seu apogeu concentrou-se
do início das guerras persas (490-480 a.C.) até encerrar-se com a morte de
Eurípedes em 406 a.C. (dois anos antes da capitulação de Atenas perante
Esparta), isto é uns 70 ou 80 anos. Literariamente seus marcos seriam a
primeira apresentação de "Os Persas" de Ésquilo, que se supõe tenham
ocorrido em 472 a.C., e as "As Troianas" de Eurípedes em 415 a.C.
A
organização das dionisíacas
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Mês
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Denominação da festa
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Dezembro
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A Pequena Dionisíaca;
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Janeiro
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A Lanea;
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Fevereiro
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Anthesteria;
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Março
|
A Grande Dionisíaca, celebrada após a
procissão das Panatenéias, que duravam seis dias.
|
Em cada uma delas, concorriam apenas três poetas,
escolhidos pelo Honorável Arconte, o patriarca da cidade. A inscrição era
voluntária, cabendo ao autor apresentar três tragédias e um drama satírico, -
uma tetralogia. Cabia ao Estado (Theorica) a premiação dos poetas e a
manutenção, durante a temporada, do sustento dos hypocrites (os atores). Os
integrantes do coro por sua vez eram mantidos por patrocinadores privados, em
geral atenienses ricos que procuravam ganhar o respeito da sociedade e o
reconhecimento público com a prática do mecenato. Feita a escolha dos três
autores, o nome deles era submetido a uma votação por uma comissão de 500
juízes (50 de cada um dos demos da cidade) que colocavam o nome do seu
preferido escrito numa pequena esfera que, depois, era depositada numa das dez
urnas existentes no Pártenon. A obra daquele que foi indicado começa a ser
representada a partir do horário matutino, sendo que as dos outros preencherão
os dias restantes até que o festival se encerrasse. O poeta escolhido tinha o
seu nome anunciado pelo heraldo e, em seguida, ele era coroado pelo Honorável
Arconte com uma coroa de hera, a planta sagrada de Dionísio.
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