terça-feira, 14 de maio de 2013

A Tragédia Grega



<- Dionísio, o deus do teatro.

Comumente, entre nós, modernos, a palavra "tragédia" tornou-se uma aplicação costumeira para designar um acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou ainda para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redundou num horrível assassinato. Para os gregos, entretanto, “tragikós” era outra coisa. A tragédia definia acima de tudo uma forma artística, ou algo que somente ocorria entre os grandes. Na visão de Aristóteles, um dos primeiros a estudar o impacto dos espetáculos teatrais, a tragédia seria “uma representação imitadora de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror provoca o desencadeamento liberador de tais afetos.”.

A tragédia como catarse

Aristóteles não se preocupou em estabelecer qualquer teoria sobre a tragédia nem se concentrou nos aspectos técnicos do espetáculo, mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a Katarsis, a catarse, isto é a purgação das emoções dos espectadores. Assistindo as terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que a vida dele se tornara, sentindo uma profunda compaixão pelo infausto que o destino reservara ao herói, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo. Atribui-se à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace.

O Herói Trágico

O centro do espetáculo teatral gira em torno do destino infeliz do herói, tema comum a maior parte das narrativas e das sagas antigas. Nelas ele é apresentado como uma figura radiante, um vencedor que está no esplendor da vida, usufruindo dos feitos das suas armas, envolto numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração brusca do destino. Um acontecimento sensacional, terrível, sufoca as suas alegrias, conduzindo-o à desgraça, arremessando-o ao mundo das sombras. Assim é que Édipo é rei de Tebas, onde casou com a rainha viúva e com a qual teve quatro belos filhos (dois varões e duas moças), quando tudo deu para desabar ao seu redor. Em outra peça, Agamemnon, o rei de Micenas, ao retornar para casa vitorioso depois de ter pilhado Tróia, sucumbe pelo golpe assassino de Cliptemnestra, sua mulher, e do amante dela. Prometeu, o titã que trouxe do Olimpo o fogo dos céus para os homens, banido, termina preso e encadeado no alto das montanhas do Cáucaso.

Homero e a tragédia

Os poemas de Homero, tanto a Ilíada como a Odisséia, oferecem vários desses momentos de infelicidade pelos quais os grandes passam: o desespero de Aquiles quando perde o seu amigo Pátroclo num combate; o encontro de Ulisses com Aquiles na morada dos mortos; a desgraça de Heitor, o bravo guerreiro morto num duelo pela defesa da sua cidade; a humilhação de Príamo, o velho rei de Tróia, que é obrigado a suplicar a Aquiles pela devolução do corpo do filho. O objetivo do poeta, porém não é exatamente o mesmo do autor dramático. Esses episódios da "Ilíada" e "Odisséia" fazem parte da narrativa geral cuja intenção é enaltecer a bravura e os feitos dos combatentes e não provocar a compaixão ou qualquer outro sentimento piedoso nos leitores ou ouvintes. Segundo Albin Lesky "a epopeia homérica é para a objetivação do trágico na obra de arte somente um prelúdio.”.

Os postulados do trágico


Para poder-se dizer que um espetáculo é uma tragédia é preciso que ele apresente certas características facilmente identificadas pelo público. Em primeiríssimo lugar, deve revelar a dignidade da queda. O herói é sempre uma figura reconhecidamente grande, importante, que consegue manter a integridade moral quando as coisas desandam ao seu redor. É, pois um estoico. Depois, há de verificar-se a importância da altura da queda, transmitindo a ideia da caída de um mundo de segurança e felicidade, que se vê ilusório, para as mais profundas das misérias. Queda, diga-se, que o herói deve aceitar em sua consciência. Não se entende como tragédia o caso da vítima ser alguém sem vontade, conduzido como se fosse um surdo-mudo para a desgraça, uma marionete inconsciente dos deuses. E, por último, a tragédia resulta de uma falta absoluta de solução. Não há outra saída do que aquela determinada pelos acontecimentos que vão se descortinando frente ao herói.

Estoicismo e tragédia

A tragédia também se tornou uma inspiração para a filosofia estoica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. O sábio estoico Sêneca (4 a.C.- 65) serviu-se de peças com urdidura trágica como uma admoestação e advertência para mostrar o desespero que acomete aqueles que se deixam guiar por elas ao não saberem impor limites ao ardores do coração, submetendo-o aos poderes da lógica (esta, comumente, foi a interpretação da tragédia que chegou a nós no Ocidente com força bem maior do que aqueles que os grandes autores dramáticos da Ática lhe davam).

Cristianismo e tragédia


Para alguns autores cristãos a tragédia é um gênero que pertence exclusivamente ao mundo pagão. O cristianismo teria banido a tragédia por que ela simplesmente não se enquadra na ideia da alma pecadora que atinge sua redenção por uma graça de Deus, pois não há salvação nem perdão para o herói trágico. Ela, a tragédia, só seria possível na cultura pré-cristã que desconhecia os princípios do arrependimento e da absolvição, ou o gesto inesperado e miraculoso da graça divina (o artificio do Theos ex machiné, largamente utilizado por Eurípides, foi interpretado por muitos como um recurso teatral, não pertinente à essência da concepção grega da tragédia). Pode-se até conjeturar ter sido a própria vida de Cristo uma tragédia definitiva, uma catástrofe moral de tamanha dimensão que superou todos os possíveis dramas, não deixando espaço emocional para que nada mais pudesse emparelhar-se ao sofrimento do Salvador. A representação popular da paixão e do martírio de Jesus, que até hoje é encenada nos autos religiosos, inibiu para sempre a dramaturgia cristã.

Originalidade do teatro

<-O teatro grego, um espetáculo de massas.

Sabe-se que os poetas da Grécia Antiga exploraram outros gêneros, tais como o drama satírico e a comédia, mas nenhum deles teve a transcendência alcançada pela tragédia, fazendo com que o espetáculo trágico fosse o que mais profundamente se enraizou na tradição cultural moderna.
Muitas das contribuições culturais que nos chegaram pelas mãos dos gregos, tais como a Filosofia, a Geometria, a Pintura Cerâmica, a Arquitetura, a Música, a História, a Medicina, a Literatura Épica e Lírica, a Mitologia, etc., com certeza eram de origem Oriental. O mesmo, porém, não se deu com o Teatro. Se Pitágoras e Platão abeberam-se da filosofia e da geometria egípcia; se Heródoto inspirou-se nas crônicas anatólicas, persas e egípcias; se mesmo Homero inspirou-se em narrativas épicas de outros povos, tal não pode dizer-se dos autores trágicos. A Tragédia é a mais pura criação da cultura grega antiga e, quando transplantada para outras culturas, não encontrou a mesma receptividade.

Os concursos trágicos

<-Uma “persona”

As encenações trágicas, tais como as conhecemos, tiveram início com a institucionalização da chamada Dyonissia, os "Concursos Trágicos", no governo do tirano ateniense Pisístrato (cerca 536-534 a.C.). Famoso por ter sido "hábil e bonacheirão", o autocrata rapidamente compreendeu a potencialidade política do Teatro, dele lançando mão para popularizar o seu regime. Sólon (668-559 a.C.), o mais famoso legislador ateniense, ao dar-se conta disso, certa vez abandonou em pleno andamento, uma representação que assistia em protesto contra a manipulação política das artes. O velho sábio, desiludido, retirou-se do teatro sentindo-se vencido. 
Naquela época a encenação teatral ainda dava seus primeiros passos e seu apogeu só se deu no século seguinte, no século V a.C., ao surgir a trindade dos soberbos autores trágicos: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. O ciclo da tragédia só encerrou-se quando, à época de Aristóteles, no século IV a.C., o jovem teatrólogo Agaton compôs peças cujos elementos não se inspiram mais na tradição, e sim resultam da sua própria criação. O período abarca mais ou menos uns cento e cinquenta anos, mas o seu apogeu concentrou-se do início das guerras persas (490-480 a.C.) até encerrar-se com a morte de Eurípedes em 406 a.C. (dois anos antes da capitulação de Atenas perante Esparta), isto é uns 70 ou 80 anos. Literariamente seus marcos seriam a primeira apresentação de "Os Persas" de Ésquilo, que se supõe tenham ocorrido em 472 a.C., e as "As Troianas" de Eurípedes em 415 a.C.


A organização das dionisíacas
Mês
Denominação da festa
Dezembro
A Pequena Dionisíaca;
Janeiro
A Lanea;
Fevereiro
Anthesteria;
Março
A Grande Dionisíaca, celebrada após a procissão das Panatenéias, que duravam seis dias.

Em cada uma delas, concorriam apenas três poetas, escolhidos pelo Honorável Arconte, o patriarca da cidade. A inscrição era voluntária, cabendo ao autor apresentar três tragédias e um drama satírico, - uma tetralogia. Cabia ao Estado (Theorica) a premiação dos poetas e a manutenção, durante a temporada, do sustento dos hypocrites (os atores). Os integrantes do coro por sua vez eram mantidos por patrocinadores privados, em geral atenienses ricos que procuravam ganhar o respeito da sociedade e o reconhecimento público com a prática do mecenato. Feita a escolha dos três autores, o nome deles era submetido a uma votação por uma comissão de 500 juízes (50 de cada um dos demos da cidade) que colocavam o nome do seu preferido escrito numa pequena esfera que, depois, era depositada numa das dez urnas existentes no Pártenon. A obra daquele que foi indicado começa a ser representada a partir do horário matutino, sendo que as dos outros preencherão os dias restantes até que o festival se encerrasse. O poeta escolhido tinha o seu nome anunciado pelo heraldo e, em seguida, ele era coroado pelo Honorável Arconte com uma coroa de hera, a planta sagrada de Dionísio.

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